Levei o nosso velho sofá para o lixão, mas o meu marido assustou-se, a gritar: «deitaste fora o plano?!”

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Quando os olhos de Tom fixaram-se no espaço vazio da nossa sala, um olhar de puro pânico espalhou-se pelo seu rosto. “Por favor, diz-me que não…” começou, mas já era tarde demais. Eu andava a pedir ao Tom que se livrasse daquele velho sofá há meses. “Tom,” dizia eu, “quando vais tirar o sofá? Está praticamente a cair aos pedaços!” “Amanhã,” murmurava ele, sem tirar os olhos do telemóvel. Ou, por vezes, “No próximo fim de semana. Juro, desta vez é a sério.”

Spoiler: o amanhã nunca chegou.

Então, no último sábado, depois de ver aquele pedaço de mobília bolorento ocupar metade da nossa sala por mais uma semana, finalmente perdi a paciência. Aluguei uma carrinha, arrastei-o sozinha e levei-o diretamente para o aterro. Quando voltei, estava bastante orgulhosa de mim mesma.

Quando o Tom chegou a casa mais tarde, mal passou do hall de entrada e os olhos arregalaram-se ao ver o sofá novinho que eu tinha comprado. Por um segundo, pensei que ele me agradeceria, ou pelo menos sorriria.

Mas, em vez disso, olhou em volta, atordoado. “Espera… o que é isto?”

Sorri, gesticulando para o sofá. “Surpresa! Finalmente livrei-me daquele trambolho. Está ótimo, não achas?”

O rosto dele ficou pálido, e olhou para mim como se eu tivesse cometido um crime. “Levaste o sofá velho… para o aterro?”

“Bem, sim,” disse eu, surpresa. “Disseste que o ias fazer há meses, Tom. Era nojento!”

Ele ficou de boca aberta, o pânico a atravessar-lhe o rosto. “Estás a falar a sério? Deitaste fora o plano?!”

“Que plano?” perguntei.

Ele respirou fundo, murmurando para si mesmo. “Não, não, não… Isto não está a acontecer. Isto não pode estar a acontecer.”

“Tom!” interrompi, começando a sentir-me um pouco ansiosa também. “Do que estás a falar?”

Ele olhou para mim, os olhos arregalados de medo. “Eu… Eu não tenho tempo para explicar. Calça os sapatos. Temos de ir. Agora.”

O meu estômago deu um nó enquanto ficava ali, tentando entender. “Ir? Para onde vamos?”

“Para o aterro!” gritou ele, dirigindo-se para a porta. “Temos de recuperá-lo antes que seja tarde demais.”

“Tarde demais para quê?” Segui-o, perplexa. “Tom, é um sofá. Um sofá com bolor e molas partidas! O que poderia ser tão importante?”

Ele parou na porta, virando-se para mim, “Não acreditarias se te dissesse.”

“Tenta-me,” desafiei, cruzando os braços. “Gostaria de saber porque estás tão desesperado para revirar uma pilha de lixo por causa de um sofá.”

“Explico no caminho. Confia em mim,” disse ele, segurando na maçaneta da porta e lançando um olhar por cima do ombro. “Tens de confiar em mim, está bem?”

O jeito como ele me olhou — deu-me um arrepio na espinha.

A viagem até ao aterro foi num silêncio mortal. Eu olhava para o Tom de vez em quando, mas ele estava focado na estrada, as mãos agarrando o volante com tanta força. Nunca o tinha visto assim, tão completamente em pânico, e o silêncio dele só tornava tudo pior.

“Tom,” quebrei finalmente o silêncio, mas ele nem se mexeu. “Podes simplesmente… dizer-me o que está a acontecer?”

Ele abanou a cabeça, mal olhando para mim. “Vais ver quando chegarmos lá.”

“Ver o quê?” insisti, a frustração a tomar conta da minha voz. “Tens ideia de como isto soa? Arrastaste-me até aqui por causa de um sofá. Um sofá, Tom!”

“Eu sei,” murmurou, os olhos desviando-se para mim por um segundo antes de voltar à estrada. “Eu sei que parece loucura, mas vais entender quando o encontrarmos.”

Cruzei os braços, remoendo em silêncio até estacionarmos no aterro. O Tom saltou do carro antes que eu pudesse dizer outra palavra, correndo em direção ao portão como se a vida dele dependesse disso.

Ele acenou para um dos trabalhadores e, com um tom de súplica na voz, perguntou, “Por favor. A minha mulher trouxe algo aqui mais cedo. Preciso de recuperá-lo. É muito importante.”

O trabalhador ergueu uma sobrancelha, olhando entre nós com um olhar cético, mas algo no rosto do Tom deve tê-lo convencido. Com um suspiro, deixou-nos entrar. “Tudo bem, amigo. Mas despache-se.”

O Tom avançou, procurando pela montanha de lixo como um homem possuído, os olhos examinando cada monte como se contivessem tesouros preciosos. Eu sentia-me ridícula ali parada, com os tornozelos na imundície, a ver o meu marido vasculhar pilhas de tralha descartada.

Depois do que pareceu uma eternidade, o Tom ergueu a cabeça, os olhos arregalados. “Ali!” gritou ele, apontando. Correu na direção do sofá velho, que estava tombado de lado no limite de um monte. Sem hesitar, virou-o, mergulhando as mãos numa pequena fenda no forro rasgado.

“Tom, o que—” comecei, mas então vi-o puxar um pedaço de papel amarelado e amassado, delicado e gasto pelo tempo. Parecia nada—apenas um papel velho e frágil, com uma caligrafia desbotada e irregular. Fiquei a olhar para ele, completamente perplexa.

“Isto?” perguntei, incrédula. “Tudo isto… por isso?”

Mas então olhei para o rosto dele. Ele estava a olhar para aquele papel como se fosse a resposta para tudo. As mãos de Tom tremiam, os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. Eu estava paralisada, sem saber o que fazer ou dizer. Em cinco anos juntos, nunca o tinha visto assim — tão completamente destroçado, agarrando aquele pedaço de papel amassado como se fosse a coisa mais preciosa que já segurara.

Ele respirou fundo, encarando o papel com uma expressão que misturava alívio e tristeza. “Este… este é o plano que o meu irmão e eu fizemos,” disse finalmente, a voz rouca. “É o mapa da nossa casa. Os nossos… esconderijos.”

Pisquei os olhos, olhando para o papel que ele segurava com tanto cuidado. De onde eu estava, parecia apenas um pedaço de rabiscos infantis desbotados. Mas quando ele o estendeu para mim, com o rosto desmoronando enquanto o entregava, peguei-o e olhei mais de perto.

Desenhado com lápis de cor, com uma caligrafia tremida e um mapa cartoonesco de divisões e espaços, era a planta da casa onde vivíamos agora. Havia rótulos espalhados pelos cômodos: “Esconderijo do Tom” debaixo das escadas, “Castelo do Jason” no sótão, e “Base Secreta” junto ao arbusto no quintal.

“Jason era o meu irmão mais novo,” murmurou, mal conseguindo articular as palavras. “Escondíamos este mapa no sofá, como… se fosse o nosso ‘lugar seguro.’” Sua voz era quase inaudível, perdida numa memória que parecia consumi-lo.

Fiquei a olhar para ele, tentando juntar as peças dessa revelação. Tom nunca tinha mencionado um irmão — nem uma única vez.

Ele engoliu em seco, o olhar distante. “Quando o Jason tinha oito anos… houve um acidente no quintal. Estávamos a brincar a um jogo que inventámos.” Ele engasgou-se, lutando para continuar. “Eu devia estar a cuidar dele, mas distraí-me.”

Levei a mão à boca, sentindo o peso das suas palavras desabar sobre mim.

“Ele estava a subir numa árvore… aquela ao lado da nossa Base Secreta,” disse, com um sorriso amargo no rosto. “Ele… escorregou. Caiu lá do alto.”

“Tom…” sussurrei, com a voz a falhar. Estendi a mão para ele, mas ele parecia perdido no passado.

“Culpei-me,” continuou, a voz quebrada. “Ainda me culpo, todos os dias. Esse mapa… é tudo o que me resta dele. Todos os pequenos esconderijos que criámos juntos. É… é a última parte dele.” Limpou o rosto com a manga, mas as lágrimas não paravam.

Envolvi-o nos braços, abraçando-o com força, sentindo a sua dor em cada soluço que lhe sacudia o corpo. Não era apenas um sofá. Era a ligação a uma infância perdida — e a um irmão que ele nunca poderia trazer de volta.

“Tom, eu não fazia ideia. Sinto muito,” disse, apertando-o contra mim.

Ele respirou fundo, limpando o rosto. “Não é tua culpa. Eu devia ter contado… mas não queria lembrar como falhei. Perdê-lo… parecia algo que nunca poderia consertar.” Sua voz falhou, e ele fechou os olhos por um longo momento de silêncio.

Finalmente, soltou um longo suspiro, como se estivesse a tentar reunir forças, e deu um sorriso fraco, quase envergonhado. “Vamos para casa.”

A viagem de volta foi silenciosa, mas era um tipo diferente de silêncio. Havia uma leveza entre nós, como se tivéssemos conseguido recuperar algo precioso, mesmo que fosse apenas um pedaço de papel. Pela primeira vez, senti que entendia essa parte oculta dele, aquela que ele mantivera enterrada sob anos de silêncio.

Naquela noite, pegámos no mapa amarelado e enrugado e colocámo-lo numa pequena moldura, pendurando-o na sala onde ambos pudéssemos vê-lo. Tom ficou a observá-lo, com uma expressão que já não era exatamente de tristeza.

A sombra ainda estava lá, mas de forma mais suave. Eu olhei para ele, percebendo, pela primeira vez em anos, que parecia em paz.

Com o passar do tempo, a casa encheu-se de novas memórias e pequenos ecos de risos que pareciam trazer calor a todos os cantos.

Alguns anos depois, quando os nossos filhos tinham idade suficiente para entender, Tom sentou-se com eles, segurando o mapa emoldurado, enquanto contava a história dos esconderijos e “lugares seguros” que ele e Jason tinham criado. Fiquei à porta, observando os olhos das crianças a brilharem de curiosidade, absorvendo essa parte secreta da vida do pai.

Uma tarde, encontrei os miúdos espalhados pelo chão da sala, com lápis de cor e folhas espalhadas, enquanto desenhavam o próprio “mapa.” Eles olharam para mim quando me viram, sorrindo com entusiasmo.

“Olha, mãe! Temos o nosso mapa da casa!” gritou o meu filho, segurando o que tinham feito. Estava cheio de etiquetas com os seus esconderijos — Covil Secreto no armário, Covil do Dragão na cave.

Tom veio até nós, os olhos brilhando enquanto olhava para a criação deles. Ajoelhou-se ao lado deles, traçando as linhas com um sorriso suave, como se, sem querer, tivessem devolvido mais um pedacinho do que ele tinha perdido.

“Parece que estão a continuar a tradição,” disse ele, a voz cheia de ternura.

O nosso filho olhou para ele, com os olhos a brilhar. “Sim, pai. É o nosso plano… tal como o teu.”

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